quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Em espera

O que me causa hoje encanto?
E tanto espanto?
Ele, claro.

Ele?

Ah, ele é poesia sem linha nem rima,
em pura prosa
que conta um conto que inclui um menino, uma ladeira, uma bicicleta
uma escada,
e um riso largo, muito largo...

As palavras dele se confundem com os pensamentos meus
e os meus pensamentos reverberam
e silenciam, dizendo, por fim:
“Não é certo, mas também não é errado.”
Moralidade, oralidade, idade, dade, de, e...

Não é errado, mas também não é certo.
Porque, no limite do que é possível, há o encontro
de duas almas, duas histórias, duas vidas,
aflorando a minha alma, a minha história, a minha vida.

E se reflete nele um eu que eu queria ser. Mas que se fosse não o seria.

Pois,  entre eu       e       ele
são tantas as distâncias,
que juntas dão a volta ao mundo
e nos colocam naquele mesmo lugar
em convergência.
Repetidamente.

Na sua ausência, ele permanece
nas idéias e pensamentos
acerca do tempo que passou e da experiência que ganhei.
O mesmo tempo que me tornou aquilo que nos aproxima,
sendo aquilo que também nos afasta.
A experiência me permite a ingenuidade.
Nele, só a ingenuidade lhe concede a experiência.

Pudera ter-me sem ele de volta,
pois impossível agora é conviver com a efemeridade
da memória
de um momento em prosa
Que, por ser eterno, sinto já acabou.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Um a zero

E você acredita que, depois de tudo o que fiz por ele ou por ele deixei de fazer, é isso que ele me diz? Assim, assim? Como se me dissesse que a panela está no fogo ou que hoje os meninos não o incomodassem, pois queria ver o jogo. O jogo... uma vez fui com ele em um jogo no estádio e, mesmo pra mim que não gosta de futebol, foi um jogo e tanto. Puxa, e como me lembro. Os atacantes corriam atrás da bola enquanto dentro de mim corria o sangue fervendo por um senhor logo atrás de nós e que não parava de olhar para mim e eu, sempre que podia, olhava pra ele também só para checar se ainda estava olhando pra mim. E estava. Finalmente vi vantagem e achei excitante o olhar compenetrado do filha da puta do meu marido, hipnotizado pela bola que ia e vinha de pé em pé. Mas nem sei pé de quem, pois não me lembro de nenhum lance daquele jogo. Mas dos olhos daquele senhor, eu me lembro bem. Eram negros, grandes, de garfo e faca ao comer a gente devagarinho. Só de lembrar já me dá um calor. E estava muito calor aquele dia, com a graça de Deus, estava muito calor e ele tirou a camisa. Não meu marido, mas o senhor, claro. Nossa, e como me lembro. Cada movimento dele, cada descoberta minha. Tinha barriga de trabalhador, com linhas bem definidas. E pele morena, queimada do sol, brilhante pelo suor que escorria e que ele enxugava com a camiseta que acabara de tirar. Na minha frente, só havia ele naquele momento. O senhor, não meu marido, é claro. E olha que tinha muita gente lá. No início me incomodei com aquele amontoado de gente, aquele cheiro de gente, aquele suor de gente. A gente compra a entrada para dividir o lugar com pelo menos mais três pedaços de gente. Achei tudo aquilo um horror e culpei meu marido por eu estar ali. Mas o horror passou quando o senhor teve a ideia de pegar uma cerveja e passar por detrás da gente, encostando na gente, deixando em mim seu cheiro de gente bem devagarinho. Na ida e na volta. Senti sua pele macia roçar meu ombro e tenho até vergonha de dizer o que senti naquela hora, viu? Ai... foi bom demais. E só sei que foi assim que acompanhei todos os minutos daquele jogo que, infelizmente, acabou muito depressa. Zero a zero. Nada. Nem um gol. Nem o telefone dele eu fiquei sabendo. Não perguntei. Em respeito ao meu marido. Nem o bairro onde ele mora eu não sei. Não perguntei. Em respeito ao meu marido. Nem o nome dele eu fiquei sabendo. Não perguntei, claro, em respeito ao filho da puta do meu marido. Voltamos para casa, eu e meu marido, em luto pelo resultado do jogo. Zero a zero. Nem um gol. E fomos os dois embora com o sangue fervendo dentro de nós. E naquele dia eu fudi muito com meu marido. E em respeito a ele, só pensava naquele senhor quando fechava os olhos. E foi muito bom. Bom demais pra ele vir e me dizer isso agora. Que conheceu Dorinha no escritório, não resistiu e comeu a Dorinha. Assim, assim, dizendo como se me perguntasse se eu queria que comprasse pão, sem nem ao menos implorar perdão. Nada. Um a zero pra ele. Mas esse jogo eu não perco, não. Não perco mesmo. Em respeito ao filho da puta do meu marido, tô indo agora foder com o Negão.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sobre vida

Agora que morri e antes que minha alma seja levada daqui definitivamente, faço disso registro do que ficou de mim agora. O sangue ainda quente que escorre evidencia a violência do ato. Foi morte matada, sim senhora. Mas também foi suicídio, confesso.
Afinal, não estava bom do jeito que estava? É. Não estava. Talvez tenha sido melhor assim. Ainda não sei ao certo, mas vendo tanto sangue, isso não pode ser bom. Sangue exposto nunca é bom, não é?
Mas foi expondo meu sangue, desta forma, que meu fim começou. Foi quando tive coragem de me mover, por conta própria, da retaguarda para a linha de frente. Essa história de heroísmo, a valorização da coragem, tudo bobagem. Hoje acho que mais vale um covarde que respira do que o corpo boiando no rio de seu próprio sangue. Principalmente em uma luta sem objetivos altruístas. Principalmente em uma luta que visa apenas salvar a si mesmo. Luta egoísta. Masoquista. Suicida. É. Não critico os heróis de verdade, aqueles que lutam por um ideal e morrem em benefício alheio. Esses são heróis, eu não. Eu só tive coragem nos limites de minha covardia.
É. Morri e não serei lembrada. Em vão. Exatamente no vão que separa a pena e o dar de ombros, a compaixão e o esquecimento, a consideração e a total desconsideração. No vão, em vão.
Sinto-me indigente diante do indiferente. Na vala dividida com aqueles que não tiveram nem nome pra escrever na lápide.
É. Morri e não mereci nem uma nota no jornal. Sabe que sempre achei que a glória de morrer de morte tão violenta seria a eternização de sua história em uma nota qualquer em um jornal qualquer. Qualquer. E poderia eu mesma ter escrito, não tinha problema. Não escrevo bem, mas tentaria, só pra não dar trabalho, sabe? Que fosse! Mas não...Quem publicaria? Quem iria ler? Nem mesmo os detalhes sórdidos, descritos com todo sensacionalismo, atrairia o mais barato tablóide. Nada. Nem uma nota. Nada. Morro sem início e nem fim.
E não serei lembrada. Apesar da coragem. Apesar do peito aberto e exposto. Apesar do sangue. Apesar da lembrança do seu rosto. Apesar do resto que fica. Apesar. A pesar em mim o tom grave da nova vida à qual preciso me moldar. Morri, mas fica-me o corpo em sobrevida e de alma arrancada. Em sobrevida.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Haikai

Com um olhar terno
sua companhia hoje fez
dia quente no inverno.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Invasão

Um par de olhos, uma certa vez,
me invadiu de modo bastante peculiar.
Se demoraram, tímidos, na porta;
tentavam espiar pelas frestas abertas,
pela transparência singela e convidativa
das cortinas das janelas. 
De certo pensaram em como seria bom espiarem mais de perto,
E lançaram-se contra mim.

Mas fizeram tudo com muita cautela,
na surdina, pra não chamarem a atenção.
Foram logo se aproximando,
com vagar,
displicência,
com um querer que findou,
meio sem prever,
encontrarem-se completamente dentro.

Só então me apercebi da invasão:
estrondo,
medo,
inquietação,
tremor,
tensão,
angústia,
...,
o tempo ali parou como se param os automóveis
              [prestes a colidirem com o carro da frente,
me jogando para a frente,
na direção deles,
pois,
afinal,
que tal?
Mas...
já vão?
Vão não...
E se foram.

A isso se chama invasão, não é?
Adentrar nos limites alheios sem pedirem permissão?
Sem serem convidados?

Olhos aqueles, dissimulados,
deixaram para trás as pegadas de suor no chão,
o perfume delicado da tensão,
um espectro que não levaram junto ao irem embora,
e que tomou lugar em mim,
roubando dali o nada que me preenchia
e ocupando o espaço largo da quietude
barata e falsa
que fazia moradia nesse meu eu.
E tudo, de repente, está fora do lugar.

Depois de tanto tempo,
ainda encontro, em mim, sombras daqueles olhos
como marca daquilo que fiquei.

sábado, 22 de maio de 2010

Em um piscar

Fecho os olhos.
Te vejo.
Me olhas.
Sorrio.
Me enlaças.
Me rendo.
Me beijas.
Te sinto.
Te esvais.
Abro os olhos.

Saudades.

Bem-vinda

Como posso permitir-me ficar longe daquilo que me aproxima da "vida", ou seja, a palavra?
Sobrevivi, mas será que vivi? Faltou coragem, tempo, audácia? Faltou, nestes anos longe daqui, uma parte de mim em mim. Senti e sinto saudades de mim. Sinto o peso do vazio e, por isso, volto.

Volto a um lugar abandonado, por um tempo esquecido, negligenciado. Preciso tirar as ervas daninhas que cresceram. Desafogar e esperar (com calma, perseverança, paciência e bom humor) que as flores nasçam.


Dou uma "repaginada", como se quisesse mostrar ao mundo o quanto mudei. Mantenho algumas das postagens antigas, como que para mostrar ao mundo o quanto ainda sou a mesma.
Seja bem-vinda!