terça-feira, 6 de julho de 2010

Um a zero

E você acredita que, depois de tudo o que fiz por ele ou por ele deixei de fazer, é isso que ele me diz? Assim, assim? Como se me dissesse que a panela está no fogo ou que hoje os meninos não o incomodassem, pois queria ver o jogo. O jogo... uma vez fui com ele em um jogo no estádio e, mesmo pra mim que não gosta de futebol, foi um jogo e tanto. Puxa, e como me lembro. Os atacantes corriam atrás da bola enquanto dentro de mim corria o sangue fervendo por um senhor logo atrás de nós e que não parava de olhar para mim e eu, sempre que podia, olhava pra ele também só para checar se ainda estava olhando pra mim. E estava. Finalmente vi vantagem e achei excitante o olhar compenetrado do filha da puta do meu marido, hipnotizado pela bola que ia e vinha de pé em pé. Mas nem sei pé de quem, pois não me lembro de nenhum lance daquele jogo. Mas dos olhos daquele senhor, eu me lembro bem. Eram negros, grandes, de garfo e faca ao comer a gente devagarinho. Só de lembrar já me dá um calor. E estava muito calor aquele dia, com a graça de Deus, estava muito calor e ele tirou a camisa. Não meu marido, mas o senhor, claro. Nossa, e como me lembro. Cada movimento dele, cada descoberta minha. Tinha barriga de trabalhador, com linhas bem definidas. E pele morena, queimada do sol, brilhante pelo suor que escorria e que ele enxugava com a camiseta que acabara de tirar. Na minha frente, só havia ele naquele momento. O senhor, não meu marido, é claro. E olha que tinha muita gente lá. No início me incomodei com aquele amontoado de gente, aquele cheiro de gente, aquele suor de gente. A gente compra a entrada para dividir o lugar com pelo menos mais três pedaços de gente. Achei tudo aquilo um horror e culpei meu marido por eu estar ali. Mas o horror passou quando o senhor teve a ideia de pegar uma cerveja e passar por detrás da gente, encostando na gente, deixando em mim seu cheiro de gente bem devagarinho. Na ida e na volta. Senti sua pele macia roçar meu ombro e tenho até vergonha de dizer o que senti naquela hora, viu? Ai... foi bom demais. E só sei que foi assim que acompanhei todos os minutos daquele jogo que, infelizmente, acabou muito depressa. Zero a zero. Nada. Nem um gol. Nem o telefone dele eu fiquei sabendo. Não perguntei. Em respeito ao meu marido. Nem o bairro onde ele mora eu não sei. Não perguntei. Em respeito ao meu marido. Nem o nome dele eu fiquei sabendo. Não perguntei, claro, em respeito ao filho da puta do meu marido. Voltamos para casa, eu e meu marido, em luto pelo resultado do jogo. Zero a zero. Nem um gol. E fomos os dois embora com o sangue fervendo dentro de nós. E naquele dia eu fudi muito com meu marido. E em respeito a ele, só pensava naquele senhor quando fechava os olhos. E foi muito bom. Bom demais pra ele vir e me dizer isso agora. Que conheceu Dorinha no escritório, não resistiu e comeu a Dorinha. Assim, assim, dizendo como se me perguntasse se eu queria que comprasse pão, sem nem ao menos implorar perdão. Nada. Um a zero pra ele. Mas esse jogo eu não perco, não. Não perco mesmo. Em respeito ao filho da puta do meu marido, tô indo agora foder com o Negão.

Um comentário:

The tone disse...

Adorei...
Não perde jogo nenhum não... e viva o negão!
hahahaha