quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sobre vida

Agora que morri e antes que minha alma seja levada daqui definitivamente, faço disso registro do que ficou de mim agora. O sangue ainda quente que escorre evidencia a violência do ato. Foi morte matada, sim senhora. Mas também foi suicídio, confesso.
Afinal, não estava bom do jeito que estava? É. Não estava. Talvez tenha sido melhor assim. Ainda não sei ao certo, mas vendo tanto sangue, isso não pode ser bom. Sangue exposto nunca é bom, não é?
Mas foi expondo meu sangue, desta forma, que meu fim começou. Foi quando tive coragem de me mover, por conta própria, da retaguarda para a linha de frente. Essa história de heroísmo, a valorização da coragem, tudo bobagem. Hoje acho que mais vale um covarde que respira do que o corpo boiando no rio de seu próprio sangue. Principalmente em uma luta sem objetivos altruístas. Principalmente em uma luta que visa apenas salvar a si mesmo. Luta egoísta. Masoquista. Suicida. É. Não critico os heróis de verdade, aqueles que lutam por um ideal e morrem em benefício alheio. Esses são heróis, eu não. Eu só tive coragem nos limites de minha covardia.
É. Morri e não serei lembrada. Em vão. Exatamente no vão que separa a pena e o dar de ombros, a compaixão e o esquecimento, a consideração e a total desconsideração. No vão, em vão.
Sinto-me indigente diante do indiferente. Na vala dividida com aqueles que não tiveram nem nome pra escrever na lápide.
É. Morri e não mereci nem uma nota no jornal. Sabe que sempre achei que a glória de morrer de morte tão violenta seria a eternização de sua história em uma nota qualquer em um jornal qualquer. Qualquer. E poderia eu mesma ter escrito, não tinha problema. Não escrevo bem, mas tentaria, só pra não dar trabalho, sabe? Que fosse! Mas não...Quem publicaria? Quem iria ler? Nem mesmo os detalhes sórdidos, descritos com todo sensacionalismo, atrairia o mais barato tablóide. Nada. Nem uma nota. Nada. Morro sem início e nem fim.
E não serei lembrada. Apesar da coragem. Apesar do peito aberto e exposto. Apesar do sangue. Apesar da lembrança do seu rosto. Apesar do resto que fica. Apesar. A pesar em mim o tom grave da nova vida à qual preciso me moldar. Morri, mas fica-me o corpo em sobrevida e de alma arrancada. Em sobrevida.

Um comentário:

The tone disse...

Algumas religiões e civilizações enxergam o momento da morte como renovação.
Pensando na leis de que as energias não se criam nem se destroem, apenas se transformam, seus versos em forma de prosa mostraram que apesar de você achar que tudo foi em vão, há algo ali, pulsando e dizendo que ainda há vida em quem quer escrever.