quarta-feira, 2 de junho de 2010

Invasão

Um par de olhos, uma certa vez,
me invadiu de modo bastante peculiar.
Se demoraram, tímidos, na porta;
tentavam espiar pelas frestas abertas,
pela transparência singela e convidativa
das cortinas das janelas. 
De certo pensaram em como seria bom espiarem mais de perto,
E lançaram-se contra mim.

Mas fizeram tudo com muita cautela,
na surdina, pra não chamarem a atenção.
Foram logo se aproximando,
com vagar,
displicência,
com um querer que findou,
meio sem prever,
encontrarem-se completamente dentro.

Só então me apercebi da invasão:
estrondo,
medo,
inquietação,
tremor,
tensão,
angústia,
...,
o tempo ali parou como se param os automóveis
              [prestes a colidirem com o carro da frente,
me jogando para a frente,
na direção deles,
pois,
afinal,
que tal?
Mas...
já vão?
Vão não...
E se foram.

A isso se chama invasão, não é?
Adentrar nos limites alheios sem pedirem permissão?
Sem serem convidados?

Olhos aqueles, dissimulados,
deixaram para trás as pegadas de suor no chão,
o perfume delicado da tensão,
um espectro que não levaram junto ao irem embora,
e que tomou lugar em mim,
roubando dali o nada que me preenchia
e ocupando o espaço largo da quietude
barata e falsa
que fazia moradia nesse meu eu.
E tudo, de repente, está fora do lugar.

Depois de tanto tempo,
ainda encontro, em mim, sombras daqueles olhos
como marca daquilo que fiquei.

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